sexta-feira, março 23, 2007

Os Normais


A discussão semântica nas comunidades que lidam com pessoas deficientes sempre é apaixonada. Algumas vezes chega a ser radical e rancorosa. Se de um lado temos os adeptos dos eufemismos ou, como preferem alguns, do politicamente correto, do outro temos aqueles que querem ressaltar as diferenças e as deficiências, seja como preconceito, seja como forma de chocar os outros.
Uma dessas discussões gira em torno do conceito da normalidade. Afinal de contas, o que exatamente significa ser normal?Será que é normal ser diferente, ou é diferente ser normal? Será que o Caetano Veloso estava certo ao afirmar que “de perto, ninguém é normal?”.
A palavra normal vem do latim, norma que era um esquadro usado por carpinteiros para traçar ângulos retos, em algumas línguas anglo-saxônicas continua tendo o sentido de perpendicular.No campo da conduta humana, a diretriz de um comportamento socialmente estabelecido. Por isso, o adjetivo normal refere-se a tudo que seja permitido ou proibido no mundo humano, no mundo ético; e refere-se, também, a tudo que, no mundo da natureza, no mundo físico, ocorre, necessariamente, como descrito num enunciado físico. Anormal é a qualidade daquilo que se mostra contrário às concepções admitidas num dado momento histórico.
Quando olhamos para a questão da deficiência, o uso da palavra normal tem uma origem médica, baseada na ocorrência de determinadas patologias logo é uma visão estatística. Ora, uma distribuição normal é uma distribuição contínua que pode variar de mais a menos infinito, ou seja, qualquer ocorrência está debaixo de uma curva normal (já que a área debaixo da curva sempre corresponde a 100% das ocorrências). Pensando estatisticamente, não existe a anormalidade, o que existe são pontos mais próximos ou mais distantes da média.
A primeira definição mostra que é a sociedade (no aspecto ético ou no aspecto de teorização das leis físicas) quem determina os limites da normalidade. Na segunda, desaparece a exclusão, uma vez que todos são normais.
Neste sentido, desejo esclarecer o que entendo por diversidade, o que entendo por diferença e o que entendo por desigualdade.A diversidade faz referência à identificação da pessoa, por que cada um é como é, e não como gostaríamos que fosse. Esse reconhecimento é precisamente o que configura a dignidade humana. A diferença é a valoração (portanto, algo subjetivo) da diversidade, e é exatamente essa valoração que abriga várias manifestações, sejam de rejeição ou de reconhecimento. É a consideração da diversidade como valor.
Como nos diz Maturana, cada homem se diferencia singularmente de outro homem não por razões biológicas, mas sim por que há diferentes crenças, comportamentos e pontos de vista distintos. O respeito à diferença implica o reconhecimento de ser diferente, e a tolerância é o valor essencial de que a cultura da diversidade necessita.
Em uma sociedade sem exclusões sabe-se, desde o princípio, que as pessoas que participam têm diferenças cognitivas, afetivas e/ou sociais, de gênero, étnicas, culturais etc. Por isso, há que organizar a sociedade pensando-se nessas diferenças e não em pessoas hipotéticas. Uma organização cujo epicentro seja a diversidade e não a normalidade.
Viver na diversidade não se baseia, como pensam alguns, na adoção de medidas excepcionais para as pessoas com necessidades específicas, mas na adoção de um modelo de sociedade que facilite a vida de todas as pessoas em sua diversidade. Se isso não é entendido adequada e corretamente, corre-se o risco de confundir "adaptação à diversidade" (que supera a deficiência) com "adaptação à desigualdade" (que ressalta a deficiência).